A prática da utilização de microrganismos específicos para efectuar transformações químicas tem sido aplicada nas indústrias da fermentação, produtos farmacêuticos e lacticínios. Os microrganismos também são componentes vitais no tratamento das águas residuais urbanas e industriais.
No tratamento das águas residuais os microrganismos (principalmente as bactérias) usam a matéria orgânica solúvel no fluxo de resíduos como fonte de alimento. As bactérias consomem os compostos orgânicos e convertem-nos em dióxido de carbono, água e energia para produzir células novas. Finalmente, os poluentes solúveis são convertidos em biomassa insolúvel que pode ser removida mecanicamente do fluxo de resíduos e eliminada.
As estações de tratamento das águas residuais existem em vários tipos e configurações, mas esta discussão centra-se no tratamento aeróbio para sistemas industriais
Os sistemas mais comuns de tratamento aeróbio são o sistema de lagoa aerada de mistura completa e o sistema de lamas activadas.
Nos sistemas de tratamento aeróbio as bactérias aeróbias utilizam oxigénio na decomposição dos compostos orgânicos. Entre estes há parâmetros que devem ser controlados. Entre eles os níveis de oxigénio dissolvido e os níveis de pH e dos nutrientes (amoníaco e fósforo) são os mais críticos. As estratégias clássicas de controlo concentraram-se no supervisionamento e controlo dos parâmetros do sistema dando pouca atenção aos próprios microrganismos.
As Bactérias
As bactérias são geralmente 1-2 μm largura e 2-20 μm de comprimento. Devido ao pequeno tamanho, forma ou morfologia só podem ser analisadas com um microscópio de alta potência (x1000) e técnicas de coloração. A técnica de coloração de Gram é o critério básico utilizado para classificar os grupos de bactérias como Gram-positivas ou Gram-negativas, indicando uma variação fundamental na estrutura da parede celular. As bactérias também são classificadas de acordo com outros critérios, tais como:
* Utilização de oxigénio na decomposição da matéria orgânica (utiliza apenas oxigénio – aeróbio; pode metabolizar com ou sem oxigénio – facultativo; não utiliza oxigénio – anaeróbia);
* A utilização de fontes de carbono (orgânico – heterotrófico; dióxido de carbono – autotrófico); e
* Um crescimento ideal em diferentes temperaturas² (termófilos – 55-75º C; mesófilos – 30-45º C; psicrófilos: Obrigatório – 15-18º C, facultativo – 25-30º C).
A maioria dos sistemas aeróbios de tratamento de águas residuais opera na faixa de temperatura de 10-40º c e, portanto contém principalmente bactérias mesófilas. Estes incluem tanto os tipos Gram-positivos como os Bacilos, como os tipos Gram-negativos como as Pseudomonas.
Além disso outros microrganismos interagem para transformar a matéria orgânica em nova biomassa, dióxido de carbono e água. Estes microrganismos são nomeados colectivamente, a biomassa.
A biomassa é a “mão-de-obra” de um sistema de tratamento de resíduos. Num estado dinâmico de mudança constante, morrem diversos micróbios enquanto outros crescem e se tornam mais dominantes. Em condições adversas como a de um choque tóxico, certas populações de bactérias podem ser reduzidas ou eliminadas diminuindo a qualidade do efluente. Exemplos de choque tóxico poderiam ser derrames de lixívia negra em fábricas de papel ou uma perturbação do processo numa fábrica de produtos químicos enviando altos níveis de terpenos para a estação de águas residuais.
A indústria de aditivos biológicos surgiu no início dos anos 60 para resolver os problemas de recuperação lenta da biomassa e para completar as populações bacterianas perdidas. A aplicação desta tecnologia é chamada bioaumentação.
Definir os Termos
Os termos biorremediação e bioaumentação são muitas vezes usados alternadamente. O termo biorremediação é definido aqui como a utilização de microrganismos seleccionados para realizar uma limpeza biológica de uma determinada área contaminada, tais como o solo ou a água; o termo bioaumentação é definido como a aplicação de microrganismos seleccionados para aumentar a população microbiana de uma estação de tratamento de resíduos para melhorar a qualidade da água ou diminuir os custos operacionais. Por outras palavras a biorremediação trata de um projecto ou área específica, enquanto a bioaumentação é um trabalho para melhorar um processo contínuo.
A bioaumentação é praticada desde o início dos anos 60. Devido ao uso incorrecto frequente de aditivos ou à fraca documentação dos resultados, a tecnologia tem sido considerada pouco científica.
Tem prevalecido a crença de que ao longo do tempo os micróbios adequados irão povoar o sistema e aclimatar-se ao influente. A abordagem assume que a população indígena introduzida através de vias como os sólidos levados pelo vento, a água da chuva e fluxo de influentes das plantas conterá sempre os organismos mais adequados. Na verdade, embora a população natural se possa tornar aceitável, podem haver limitações de desempenho que só podem ser superadas através da indução de estirpes superiores dos microrganismos.
Na bacia de aeração de uma estação típica de tratamento de resíduos industriais esperamos encontrar inúmeras espécies ou estirpes de bactérias. Esta diversidade de bactérias, como lhe chamam, é necessária porque alguns tipos de bactérias decompõem compostos diferentes de forma mais eficaz e eficiente.
Estas bactérias são geralmente adequadas para controlar os contaminantes na entrada de resíduos e adaptam-se ao longo do tempo para fornecer os resultados desejados, assumindo que a operação é efectuada num estado estável aproximado. Infelizmente algumas estações de tratamento de resíduos industriais jamais alcançam o estado estacionário. As características do efluente podem mudar drasticamente de semana para semana ou mesmo dia para dia.
Estas variações podem dever-se a planeamentos de produção de processos em lote, derrames de substâncias químicas ou equipamentos deficientes na central de produção. Muitas populações biológicas das estações de tratamento nunca atingem os números ideais ou a diversidade de espécies.
Sem a bioaumentação a população indígena deve ser composta de vários tipos de organismos. Alguns destes organismos são mais eficientes e eficazes que outros na decomposição dos vários compostos e na produção de uma biomassa sedimentável.
Perguntamos porque é que os produtos de bioaumentação têm de ser alimentados continuamente após a dosagem inicial do produto. Devido a perturbações no sistema e a alterações na composição do afluente é necessária uma dose de manutenção para manter a diversidade desejada da população.
Os Produtos
Os produtos de bioaumentação consistem geralmente numa mistura de várias estirpes de microrganismos, nomeadamente bactérias ou fungos. Os organismos são isolados da natureza e não são geneticamente alterados de forma alguma. São seleccionados com base nas taxas de reprodução acelerada e na sua capacidade de desempenho de funções específicas, como uma boa capacidade de foculação para melhorar a sua sedimentação ou a capacidade de decompor compostos específicos. Os produtos são vendidos em várias formas, sendo os mais comuns os organismos secos num suporte de farelo e os produtos líquidos.
Mais do que Produtos
Uma bioaumentação de sucesso requer uma gestão total do sistema. Se a população microbiológica pode ser vista como mão-de-obra, então o consultor ou gestor do sistema é responsável por manter a mão-de-obra produtiva.
O gestor do sistema deve fornecer um ambiente de trabalho aceitável controlando os parâmetros chave do sistema como o pH, a temperatura e os níveis de oxigénio. Deve compensá-los com os nutrientes para garantir um bom crescimento e uma população saudável. A aplicação adequada é uma parte vital do sucesso de um programa de bioaumentação. Como cada sistema é único, é essencial que os produtos sejam devidamente aplicados. Os programas de bioaumentação devem ser implementados com uma supervisão total do sistema, avaliando a melhor solução para o problema e documentando o impacto do programa. O objectivo da bioaumentação é facilitar uma mudança gradual na população microbiana, e não substituir totalmente a biomassa existente.
Provando os Resultados
A maior dificuldade na aceitação da bioaumentação como uma tecnologia válida é provar a causa e efeito da adição de organismos específicos. A ciência clássica instruiria o cliente a executar um teste controlado na sua fábrica em simultâneo com o programa de bioaumentação. Na verdade isto é raramente possível pois poucas estações de tratamento de resíduos têm sistemas secundários idênticos e separados para permitir um estudo comparativo rigoroso.
As várias áreas onde a bioaumentação tem provado ser benéfica são discutidas abaixo.
REFORÇO NA REMOÇÃO DE CBO – Muitos sistemas, especialmente os de lagoas aeradas de mistura completa, estão a exigir resultados para os anos 90 com a tecnologia dos anos 60 e 70. A actualização destes sistemas custaria milhões em capital. Ao aumentar os números de microbiologia e a diversidade através da bioaumentação podem ser alcançados os resultados desejados.
INSTALAÇÃO MELHORADA DOS SÓLIDOS – um passo importante no tratamento biológico de resíduos é a remoção dos sólidos, geralmente através da sua sedimentação numa lagoa ou no reservatório de sedimentação. As bactérias formam um biopolímero natural que ajuda a sedimentação. Os choques tóxicos e as alterações do sistema podem resultar numa população bacteriana com pouco biopolímero e sedimentação deficiente. A abordagem tradicional da adição de polímeros orgânicos ou coagulantes inorgânicos para auxiliar a sedimentação pode ser eficaz mas é cara. Ao inocular o sistema com organismos conhecidos por serem resistentes à toxicidade e excelentes floculadores, pode reduzir ou mesmo eliminar a necessidade de polímeros.
O custo geral da bioaumentação é consideravelmente mais baixo do que o tratamento com polímeros. Para além disso fornece uma biomassa mais saudável no geral.
DECOMPOSIÇÃO PREFERENCIAL DE COMPOSTOS ESPECÍFICOS – ao adicionarmos determinados organismos, podemos alcançar níveis baixos de compostos específicos que não são possíveis com as populações indígenas. Compostos como fenóis, compostos aromáticos clorados e hidrocarbonetos aromáticos são apenas alguns compostos que podem ser reduzidos com a bioaumentação.
NITRIFICAÇÃO MELHORADA – Muitas estações de tratamento de resíduos industriais têm dificuldade em conseguir a nitrificação devido a limitações na construção ou a choques tóxicos. Ao adicionar regularmente as bactérias nitrificantes podemos manter a população adequada para a remoção de amoníaco.
OUTRAS ÁREAS – Outras áreas onde a bioaumentação pode ser benéfica incluem a redução de odores, remoção de óleo e gordura, arranque rápido do sistema e melhoria da tolerância ao choque tóxico. Além disso, a investigação continua a explorar novas áreas de aplicação para esta tecnologia em desenvolvimento.
Resumo
Como as restrições ambientais são mais rigorosas, muitos operadores industriais serão confrontados com níveis de cumprimento que vão pôr em causa a capacidade das suas estações actuais de tratamento de águas residuais. Em alguns casos a bioaumentação será uma solução rentável a curto ou médio prazo para os manter em conformidade até poderem ser implementadas as alterações ao sistema. Noutros casos a bioaumentação será a solução a longo prazo devido à falta de fundos ou aos custos das soluções mecânicas.
O conceito de uma gestão eficaz da população microbiana de um tanque de aeração é um conceito novo. Envolve muito mais do que a introdução de novos organismos no sistema. A gestão total do sistema requer uma compreensão aprofundada da operação e construção das estações de tratamento de resíduos e da microbiologia ambiental. Ao combinar estas duas disciplinas de forma eficaz, a gestão das águas residuais pode ser efectuada num sistema existente com óptimos resultados.